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domingo, 14 de junho de 2015

Bispo português alerta para o sentido profundo das festas populares dos santos


  Dom José Cordeiro, Bispo de Bragança-Miranda, em Portugal e Presidente da Comissão Episcopal da Liturgia e Espiritualidade, sublinha a importância das festas religiosas que vão marcar o tempo de inverno, convidando as comunidades a viver a dimensão cristã fundamental das mesmas. Ele reconhece que há desvios e que algumas festas tornaram-se apenas entretenimento e interesse comercial. Leia a entrevista que o Bispo deu à Agência Ecclesia:

Agência ECCLESIA (AE) – Na nota pastoral que escreveu, recentemente, sobre “O sentido autêntico das festas cristãs” deixou alguns apelos e normas. Sente que na Diocese de Bragança-Miranda as festas cristãs não têm a vivência correta?
D. José Cordeiro (JC) – Algumas situações não estão no verdadeiro sentido de autenticidade do cristianismo. No entanto, reconheço que em muitas comissões e mordomias se vive este sentido cristão das festas, de modo especial as populares. (...) Só que, às vezes, estas festas transformam-se em simples entretenimento e com outros interesses comerciais e lúdicos e não tanto a vivência cristã. A parte do convívio e da relação é extremamente importante, mas não nos podemos servir dos santos ou dos padroeiros para outros fins.

AE – 50 anos depois da “Sacrosanctum Concilium” (Documento conciliar sobre a Liturgia), estas normas ainda não entraram na dinâmica eclesial.
JC – Daquilo que constato e da minha experiência pastoral, ainda estamos muito longe. A piedade popular é um enorme tesouro na vida da Igreja, mas são necessários novos enquadramentos e orientações. Recentemente, um pároco dizia-me: “Dá-me a sensação que nós emprestamos apenas o nome e as imagens dos santos e o resto está sem ordem e sem disciplina”. Falta o sentido autêntico. O que qualifica a festa cristã é a Eucaristia e o encontro das pessoas na gratuidade. O centro da festa deve ser Jesus Cristo para a maior glória de Deus e a santificação do homem. Se perdemos este horizonte caímos no relativismo. Isso não pode acontecer…

AE – A cidade de Lisboa com o Santo Antônio e o Porto com o São João vivem, nos próximos dias, duas grandes festas populares. Será que as pessoas que vão a estas festas conhecem o verdadeiro sentido destas festividades e alguns registros biográficos destes patronos?
JC – Provavelmente muitas dessas pessoas não conhecem. Mas isso também acontece nos meios mais pequenos. Os santos são os discípulos de Cristo. Aqueles que são apresentados como modelos e viveram o caminho das bem-aventuranças. São para nós uma motivação e um referencial na peregrinação da vida. As festas ditas populares não podem ser apenas lúdicas como acontece na “festa da castanha” ou a “festa da amêndoa, do mel ou do azeite”…

AE – Se a castanha tivesse um padroeiro passava a ser também uma festa religiosa…
JC – Não basta que seja religiosa é preciso que seja cristã. Esse é que é o nosso desafio e o nosso esforço. Às vezes, nas visitas pastorais, brinco um pouco e digo: “Há pessoas tão religiosas, tão religiosas que não chegam a ser cristãs”.

AE – O que fazer para alterar esta mentalidade? Não pode ser apenas com notas pastorais?
JC – Isto não se faz por decreto ou nota pastoral. Este documento serve para avivar as disposições que a Diocese de Bragança-Miranda tem desde 2003. Não as alteramos, apenas queremos dar-lhes continuidade. Este trabalho tem de ser feito ao longo do Ano Litúrgico e não só na proximidade das festas. É preciso uma formação permanente dos leigos e, de um modo especial, das pessoas que estão nas comissões e nas mordomias. As festas não podem ser uma coisa desligada do Ano Litúrgico, do Evangelho de Jesus Cristo e com o grande depósito da fé.

AE – Atualmente, estas festas ainda estão desligadas dessa vivência eclesial porque o lado lúdico e comercial predominam nesses dias. Muitas vezes, o lado cristão destas festas resume-se à celebração da Eucaristia.
JC – Exatamente. Em muitos lugares acontece isso. Para além da celebração, o resto da festa não tem o enquadramento. Parecem coisas paralelas ou opostas. A festa deve ser integrada e com sentido de unidade do espírito humano e cristão.

AE – Termina a missa e começam as bailarinas a dançar no palco ao lado da Igreja…
JC – Se calhar, nalguns sítios, acontece isso. Devia haver um sentido maior do sagrado. O programa das festas deve ser harmonioso. No entanto, reconheço que isto é muito difícil porque foi sendo enraizado ao longo dos tempos. Sobretudo no tempo “das vacas gordas”, onde existiam grandes orçamentos para as festas. Nunca se deve perder o sentido da comunidade. O dia da festa não pode ser um dia de evasão. Deve ser integrado no dinamismo da fé e da evangelização.

AE – Lugares privilegiados de evangelização…
JC – Verdade. Elas devem ser bem preparadas, celebradas e vividas. Se tal acontecer, são festas evangelizadoras.

AE – A primeira etapa é refazer os programas da festa?
JC – Apelo a que se faça um programa harmonioso onde o pároco ou o capelão tenham uma palavra a dizer. Deve haver um diálogo permanente e trabalho de colaboração entre a comissão de festas e o pároco. Em relação a este aspeto, reconheço que temos um enorme trabalho já realizado. Gostaria que esse trabalho positivo passasse também para outras unidades pastorais, que se alargasse a todo o território da diocese.

AE – Todavia, reconhece que muitas pessoas vão a estas festas porque está lá o artista conhecido.

JC – Não sou contra os espetáculos dos artistas. Eles também têm o seu lugar na festa, mas dentro de um programa integral. Peço é que nunca se perca o sentido comunitário. As pessoas têm o direito a saber, não apenas do programa, mas também das contas da festa.

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