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sábado, 9 de agosto de 2014

Novas normas para o Rito da Paz da Missa


CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS
CARTA CIRCULAR: O SIGNIFICADO RITUAL DO DOM DA PAZ NA MISSA


1. “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz”[1], são as palavras com as quais Jesus promete aos discípulos reunidos no cenáculo, antes de enfrentar a paixão, o dom da paz, para infundir-lhes a gozosa certeza de sua presença permanente. Depois de sua ressurreição, o Senhor leva ao termo sua promessa apresentando-se no meio deles, no lugar em que se encontravam por temor aos Judeus, dizendo: “A paz esteja convosco!”[2]. A paz, fruto da Redenção que Cristo trouxe ao mundo com sua morte e ressurreição, é o dom que o Ressuscitado segue oferecendo hoje a sua Igreja, reunida para a celebração da Eucaristia, de modo que possa testemunhá-la na vida de cada dia.
2. Na tradição litúrgica romana o sinal da paz, colocado antes da Comunhão, tem um significado teológico próprio. Este encontra seu ponto de referência na contemplação eucarística do mistério pascal – diversamente de como fazem outras famílias litúrgicas que se inspiram na passagem evangélica de Mateus (cf. Mt 5, 23) – apresentando-se assim como o “beijo pascal” de Cristo ressuscitado presente no altar [3]. Os ritos que preparam a comunhão constituem um conjunto bem articulado dentro do qual cada elemento tem seu próprio significado e contribui ao sentido do conjunto da sequência ritual, que conduz à participação sacramental no mistério celebrado. O sinal da paz, portanto, se encontra entre o Pater noster - ao qual se une mediante o embolismo que prepara ao gesto da paz – e a fração do pão – durante a qual se implora ao Cordeiro de Deus que nos dê sua paz -. Com este gesto, que significa a paz, a comunhão e a caridade”[4], a Igreja implora a paz e a unidade para si mesma e para toda a família humana, e os fiéis expressam a comunhão eclesial e a mútua caridade, antes da comunhão sacramental”[5], isto é, a comunhão no Corpo de Cristo Senhor.

3. Na Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum caritatis o papa Bento XVI havia confiado a esta Congregação a tarefa de considerar a problemática referente ao sinal da paz[6], com o fim de salvaguardar o valor sagrado da celebração eucarística e o sentido do mistério no mundo da Comunhão sacramental: “A Eucaristia é por sua natureza sacramento da paz. Esta dimensão do Mistério eucarístico se expressa na celebração litúrgica de maneira específica com o gesto da paz. Trata-se indubitavelmente de um sinal de grande valor (cf. Jo 14, 28). Em nosso tempo, tão cheio de conflitos, este gesto adquire, também a partir ponto de vista da sensibilidade comum, um relevo especial, já que a Igreja sente cada vez mais como tarefa própria pedir a Deus o dom da paz e a unidade para si mesma e para toda a família humana. [...] Por isso se compreende a intensidade com que se vive frequentemente o rito da paz na celebração litúrgica. A este propósito, contudo, durante o Sínodo dos bispos se viu a conveniência de moderar este gesto, que pode adquirir expressões exageradas, provocando certa confusão na assembléia precisamente antes da Comunhão. Seria bom recordar que o alto valor do gesto não fica diminuído pela sobriedade necessária para manter um clima adequado à celebração, limitando por exemplo a troca da paz aos mais próximos”[7].

4. O Papa Bento XVI, além de destacar o verdadeiro sentido do rito e do sinal da paz, punha em evidência seu grande valor como colaboração dos cristãos, para preencher,  mediante sua oração e testemunho, as angústias mais profundas e inquietantes da humanidade contemporânea. Por esta razão, renovava seu convite para cuidar este rito e para realizar este sinal litúrgico com sentido religioso e sobriedade.

5. O Dicastério, baseado pelas disposições do Papa Bento XVI, dirigiu-se às Conferências dos bispos em maio de 2008 pedindo seu parecer sobre se manter o sinal da paz antes da Comunhão, onde se encontra agora, ou se mudá-lo a outro momento, com o fim de melhorar a compreensão e o desenvolvimento de tal gesto. Traz uma profunda reflexão, se viu conveniente conservar na liturgia romana o rito da paz em seu lugar tradicional e não introduzir mudanças estruturais no Missal Romano. Oferecem-se na continuação algumas disposições práticas para expressar melhor o conteúdo do sinal da paz e para moderar os excessos, que suscitam confusão na assembleias litúrgica antes da Comunhão.

6. O tema tratado é importante. Se os fiéis não compreendem e não demonstram viver, em seus gestos rituais, o significado correto do rito da paz, debilita-se o conceito cristão da paz e se vê afetada negativamente sua própria frutuosa participação na Eucaristia. Portanto, junto às precedentes reflexões, que podem constituir o núcleo de uma oportuna catequese a respeito, para a qual se ofereceram algumas linhas orientadoras, submetem-se a prudente consideração das Conferências dos bispos algumas sugestões práticas:

a) Esclarece-se definitivamente que o rito da paz alcança já seu profundo significado com a oração e o oferecimento da paz no contexto da Eucaristia. O dar-se a paz corretamente entre os participantes na Missa enriquece seu significado e confere expressividade ao próprio rito. Portanto, é totalmente legítimo afirmar que não é necessário convidar “mecanicamente” para se dar a paz. Se se prevê que tal troca não se levará ao fim adequadamente por circunstâncias concretas, ou se retém pedagogicamente conveniente não realizá-lo em determinadas ocasiões, pode-se omitir, e inclusive, deve ser omitido. Recorda-se que a rubrica do Missal disse: Deinde, pro opportunitate, diaconus, vel sacerdos, subiungit: Offerte vobis pacem”[8].

b) Baseado nas presentes reflexões, pode ser aconselhável que, com ocasião da publicação da terceira edição típica do Missal Romano no próprio País, ou quando se façam novas edições do mesmo, as Conferências considerem se é oportuno mudar o modo de se dar a paz estabelecido em seu momento. Por exemplo, naqueles lugares em nos quais se optou por gestos familiares e profanos de saudação, traz a experiência destes anos, poderiam se substituir por gestos mais apropriados.

c) De todos os modos, será necessário que no momento de dar-se a paz se evitem alguns abusos tais como:
- A introdução de um “canto para a paz”, inexistente no Rito romano [9].
- Os deslocamentos dos fiéis para trocar a paz.
- Que o sacerdote abandone o altar para dar a paz a alguns fiéis.
- Que em algumas circunstâncias, como a solenidade de Páscoa ou de Natal, ou Confirmação, o Matrimônio, as sagradas Ordens, as Profissões religiosas ou as Exéquias, o dar-se a paz seja ocasião para felicitar ou expressar condolências entre os presentes[10].

d) Convida-se igualmente a todas as Conferências dos bispos a preparar catequeses litúrgicas sobre o significado do rito da paz na liturgia romana e sobre seu correto desenvolvimento na celebração da Santa Missa. A este propósito, a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos acompanha a presente carta com algumas pistas orientadoras.

7. A íntima relação entre lex orandi e lex credendi deve obviamente estender-se a lex vivendi. Conseguir hoje um compromisso sério dos católicos frente a construção de um mundo mais justo e pacífico implica uma compreensão mais profunda do significado cristão da paz e de sua expressão na celebração litúrgica. Convida-se, então, com insistência a dar passos eficazes em tal matéria já que dele depende a qualidade de nossa participação eucarística e o que nos vejamos incluídos entre os que merecem a graça prometida nas bem-aventuranças aos que trabalham e constroem a paz[11].

8. Ao finalizar estas considerações, exorta-se aos bispos, e sob sua guia, aos sacerdotes a considerar e aprofundar no significado espiritual do rito da paz, tanto na celebração da Santa Missa como na própria formação litúrgica e espiritual ou na oportuna catequese aos fiéis. Cristo é nossa paz[12],a paz divina, anunciada pelos profetas e pelos anjos, e que Ele trouxe ao mundo com seu mistério pascal. Esta paz do Senhor Ressuscitado é invocada, anunciada e difundida na celebração, também através de um gesto humano elevado ao âmbito sagrado.

O Santo Padre Francisco, no dia 7 de junho de 2014, aprovou e confirmou o que se contém nesta Carta circular, preparada pela Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, e ordenou sua publicação.

Na sede da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, ao dia 08 de junho de 2014, na solenidade de Pentecostes.

Antonio Card. CAÑIZARES LLOVERA
Prefeito
Arthur ROCHE
Arcebispo Secretário
NOTAS


[1]. Jo 14, 27
[2]. Cfr. Jo 20, 19-23.
[3]. Cf. MISSALE ROMANUM ex decreto SS. Concilii Tridentini restitutum summorum pontificum cura recognitum, Editio typica, 1962, Ritus servandus, X, 3.
[4]. CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS, Instr. Redemptionis sacramentum, 25 de março de 2004, n. 71: AAS 96 (2004) 571.
[5]. MISSALE ROMANUM, ex decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani II instauratum, auctoritate Pauli Pp. VI promulgatum, Ioannis Pauli Pp. II cura recognitum, editio typica tertiam, diei 20 aprilis 2000,Typis Vaticanis, reimpressio emendata 2008, Ordenação Geral do Missal Romano, n. 82.
[6]. Cf. BENTO XVI, Exhort. Apost. pós-sinod., Sacramentum caritatis, 22 de fevereiro de 2007, n. 49: AAS 99 (2007) 143
[7]. Cf. Bento XVI, Exhort. Apost., Sacramentum caritatis, 22 de fevereiro de 2007, n. 49, nota n. 150: AAS 99 (2007) 143.
[8]. MISSALE ROMANUM, Ordo Missae, n. 128
[9]. No rito romano não está tradicionalmente previsto um canto para a paz porque se prevê um tempo brevíssimo para dar a paz somente aos mais perto. O canto da paz sugere, pelo contrário, um tempo muito largo para a troca da paz.
[10]. Cf. Ordenação Geral do Missal Romano, n. 82: “Conveniente, contudo, que cada um expresse sobriamente a paz somente aos que tem mais próximo”; n. 154: “O sacerdote pode dar a paz aos ministros, permanecendo sempre dentro do presbitério, para não alterar a celebração. Faça-se do mesmo modo se, por uma causa razoável, deseja dar a paz a alguns fiéis”; CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS, Instr., Redemptionis sacramentum, 25 de março de 2004, n. 72: AAS 96 (2004) 572.
[11]. Cf. Mt 5, 9ss.

[12]. Ef. 2, 14.

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